camarão que dorme a onda leva
Bom dia, pessoal,
Nessa segunda-feira, duas newsletters que eu assino vieram temáticas de amor e de esperança à terra desce pós eleições. Achei ambas muito gostosas de ler. Essa cartinha não vai ter relação direta com isso, mas escrever essa semana sem sequer mencionar os últimos acontecimentos seria estranho. Pra quem se interessar, escrevi sobre no meu instagram. Dito isso, vamos à cartinha.
Um assunto recorrente na terapia é como eu aceito as coisas como elas são/chegam até mim, sem ter desejado nada. Nunca sabia o que responder quando me perguntavam o que queria de natal (“tá, vou te dar dinheiro, mas compra algo que você goste, não deixa guardado” diziam os parentes, sem desconfiar que anos depois aquela onça-pintada entregue num envelopinho seria usada para pagar a amassada que dei no carro de uma desconhecida), também não sei o que quero jantar numa data especial, nem o filme que quero ver (talvez por isso só os veja acompanhada), nem para onde quero ir (tirando meu sonho de conhecer o Vietnã, mas é um pouco inviável no momento já que fica lá na Cochinchina).
Isso não é uma questão só minha. O Leminski diz “não discuto / com o destino // o que pintar / eu assino” e o Samuel Rosa do Skank canta “vou deixar / a vida me levar pra onde ela quiser / seguir a direção de uma estrela qualquer”. Comecei no francês porque minha mãe queria também e daí não teria que me levar e buscar do alemão, que era meu plano original. Entrei no IFSC (instituto federal onde fiz meu ensino médio + técnico em química) porque minha amiga Amabile ia fazer a prova e me chamou para se inscrever também. Antes eu achava que eu era uma pessoa que ia atrás das coisas, mas depois vi que não. Eu agarro as oportunidades que aparecem (muitas vezes mais do que devia), mas são poucas vezes que fui atrás de opções que não estavam no cardápio (figurativamente falando, porque no sentido literal vira e mexe eu tenho que implorar por uma adaptação vegetariana).
Também na terapia, me dei conta que um dos únicos âmbitos em que eu sempre me permiti sonhar com algo diferente do que está posto (e, mais que sonhar, tentar construir o sonho na realidade) é o âmbito político (cujas eleições são só uma pontinha). Apesar de passar a maior parte do tempo numa bolha muito confortável, eu acredito que vivemos num sistema desumano, numa máquina de moer gente. Se eu começasse a escrever tudo que gostaria de mudar, não pararia de escrever nunca mais. Mas meu ponto não é esse. É constatar, feliz, que sou capaz de ir atrás do que eu acredito mesmo sabendo que não vou alcançar (ao menos não agora), que vale mais a pena tentar mudar que ficar inerte no desconforto. Meio como aquele clichê do Galeano, de que a utopia serve para continuarmos caminhando.
Por muito tempo, o plano de fundo da minha tela de bloqueio do celular foi um pôster com o trecho “onde não queres nada / nada falta” e acho que isso ilustra bem esse não querer coisas diferentes. Limitando o desejo entre as opções disponíveis, se tem a garantia de que o desejo será realizado, mas ao querer algo difícil de alcançar, seja por depender dos outros, seja por exigir demais de nós mesmos, há o risco deles não se concretizarem. Tinha escrito “risco iminente” e resolvi procurar no google a definição exata de iminente: (adjetivo de dois gêneros) que ameaça se concretizar, que está a ponto de acontecer; próximo, imediato. Meu problema, delimitei então, é só me permitir desejar o que é iminente.
Já foi uma página inteira e agora que me aproximo da ideia original de tema. Sigo cautelosa em dizer o que desejo. Dita a dificuldade em saber o que se quer, passamos para o problema central: como lidar com o desejo quando o desejo é (dependente d)o outro.
Na arte de fazer amigos e influenciar pessoas, me considero uma pessoa super bem resolvida e despachada (às vezes até demais), já falei disso em outra cartinha. Sou capaz de falar “te acho legal e quero ser sua amiga” e realmente fazer brotar uma amizade. É nas interações ditas românticas e nos conflitos e dissidências que a dificuldade aparece. Em ambos os casos, fico remoendo internamente, fazendo teorias conspiratórias e desabafando com as amigas. Tenho medo de colocar para fora o que eu sinto, porque acho que vai incomodar o outro (mesmo que sejam coisas positivas!) ou que vão me achar maluca. A minha amiga Pietra uma vez compartilhou esse post que fala sobre priorizar o desejo em vez do ser desejada. Falho muito nisso.
Porém, não lembro de nenhuma vez em que eu me arrependa de ter ido atrás e exposto o que queria, seja um beijo, seja uma carona, seja através de uma conversa delicada para tratar fraturas também expostas. Às vezes é sucesso total, às vezes recebo um não. Mas, mesmo nesse último caso, valeu a pena ter ido atrás, porque pude saber o que as outras pessoas estavam querendo/pensando, sem tentar adivinhar e ficar ruminando. Adequar os planos à realidade e não à suposições. Tentando ser mais clara com essas coisas consegui nos últimos tempos retomar laços que haviam se desfeito, voltar à normalidade em uma amizade que a convivência tinha se tornado estranha e, com um terceiro amigo, saber que estava me preocupando com problemas imaginários. Se não tivesse ido atrás, seguiria até agora com saudade, tensa e noiada.
Hoje terminei de ler o livro da minha amiga Laura (imagina todos vocês falando isso um dia também). No segundo parágrafo de um texto pensei “bonito isso, vou tirar foto pra compartilhar”, continuei lendo até chegar em outro parágrafo e pensar “meu deus, era exatamente disso que eu queria falar na cartinha!”.
“Mas os achados do trabalho de detetive solitário não se comparam aos de uma boa e velha conversa: é a diferença entre a especulação e a descoberta.
E ambos me interessam muito.”
Hoje a indicação da semana é exclusivamente para os meus amigos do Rio de Janeiro: do dia 3 (provavelmente quando você vai estar lendo esse e-mail) ao dia 9 tá rolando o Festival Filmambiente, do qual minha amiga Flávia faz parte da organização. Todo dia às 19h30 programação de graça no Espaço Itaú Cultural, em Botafogo.
Ah, pelo uso do termo iminente me lembrei desse meu texto aqui (sim, há vida e escrita fora das cartinhas!), que fala um pouco sobre isso. Mas auto-promoção não conta como indicação, eu acho.
Beijos e bom restinho de semana,
Com amor,
Laura
p.s. numa cartinha de abril do ano passado, falo basicamente sobre as mesmas coisas que falei aqui, quem quiser se adentrar mais (as indicações dela tão particularmente boas, modéstia à parte)
p.p.s. para quem quiser, fica de dever de casa ir atrás de resolver alguma pendência afetiva, seja reatar (ou desfazer de vez) algum laço, seja falar eu te amo para algum amigo pro qual você nunca disse ou ligar praquela pessoa que você não fala há anos mas sente saudades. Depois me conta como foi!