transformai as velhas formas do viver
Bom dia, pessoal!
Esse final de semana eu e minha mãe fomos visitar meus avós em Araranguá (sede da Associação de Municípios do Extremo Sul Catarinense, também conhecida como “a cidade das avenidas”). Na viagem, aconteceram duas situações que me lembraram de um tema que já vinha sendo cozinhado aqui dentro há algum tempo, então decidi que era hora de voltar a tentar usar
das palavras para ligar os pontos.
Cena 1 – Casa da vó. Laura Emerim se olha no espelho de conchas. Ela usa o mesmo suéter que estava usando quando, sete anos antes, tirou uma selfie naquele espelho e postou em seu instagram (na época, ainda não havia sido inventado o story).
Eu escolhi especificamente aquele suéter pra levar na viagem porque lembrava vagamente da foto, mas isso não me impediu de ficar reflexiva (com o perdão da piada) ao me fitar no espelho. A casa da minha vó estava praticamente a mesma (apenas com uma diferença demográfica: os gatos foram gradativamente sendo substituídos por uma população canina). Eu esteticamente (estaticamente) a mesma, só mudava a armação dos óculos, o celular que tirou a foto e a postura. Lembrei daquela história de que as nossas células se renovam completamente a cada 7 anos, de forma que você é literalmente uma pessoa completamente diferente depois desse período. É uma informação falsa, mas acho bonito.
Escrevi isso no bloco de notas em setembro de 2023. Estava novamente pensando em tentar escrever uma cartinha sobre mudanças e lembrei que já tinha começado. Não lembrava muito bem o que tinha escrito, mas sabia que tinha a fake news da gente se regenerar a cada 7 anos e o suéter cinza refletido no espelho de conchinhas.
A Cena 2, completando o texto de 2023, era sobre a volta pra casa. No carro com minha mãe, entre cantorias e conversas, ela comenta como, para ela, é como se eu tivesse morrido várias vezes. Não de um jeito sobrenatural e também não de um jeito “você morreu para mim”, mas por lembrar de várias etapas do meu desenvolvimento e das mini-Lauras que não existem mais. A Laura que ela podia carregar facilmente nos braços, que chamava urso-polar de “zugolai”, que ainda perdia dentes de leite. Várias que fui e nunca vou voltar a ser, ainda que nunca deixem de estar em mim.
Lembro quando, lá pelos seis anos, fui diagnosticada com miopia. Fizemos um óculos colorido, daqueles mais plásticos que metálicos, como sempre preferi, e fui com ele pra escola. Odiei a experiência. Não pelos óculos em si, mas pelas perguntas. Não era algo mal intencionado, apenas a curiosidade infantil extremamente compreensível. Como assim você não usava óculos até hoje e agora usa? Decidi que não usaria mais, até que mudei de escola meses depois e fui de óculos desde o primeiro dia (onze de setembro). Muitas perguntas querendo conhecer quem era a menina nova da turma (na época, eram só mais três), nenhuma tendo que explicar a armação.
Um dia, mais de década atrás, parei de colocar açúcar no café. Também decidi que não ia mais tomar refrigerante. Outro dia, alguns anos depois, parei de comer carne. E desde então é como se sempre tivesse sido assim, como se eu nunca tivesse feito de outro jeito.
Movida por uma inflamação, removi num único dia os (cinco) sisos. Placas de poliuretano, trocadas a cada dez dias, lentamente colocam os dentes remanescentes numa posição diferente da que eles sempre foram. Tem um pedaço de cobre dentro do meu útero. Afinei minha retina com raios lasers para poder ver bem sem lentes. Me pergunto se, quando falam de mim, meus amigos ainda me imaginam de óculos ou se, de novo, é como se eu sempre tivesse sido assim.
Para além dessas mudanças físicas, penso também nas mudanças de comportamento e como as vezes é difícil. Ainda que inconscientemente, por estar sendo de um jeito, temos que continuar sendo. Na primeira lei de Newton, ele nos apresenta ao princípio da inércia dizendo que “Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele.”. Se fosse só isso, tudo bem, mas sinto que muitas vezes aplicamos mais e mais força para manter tudo funcionando como está.
A escola que eu estudei quando criança terminava na quarta série. Depois disso, eu e mais uns quatro ou cinco colegas seguimos para o colégio em que faríamos o Ensino Fundamental II. Passei o primeiro ano inteiro tentando me manter com o grupinho da escola antiga. Não tínhamos muito em comum (nem éramos amigas antes da mudança de escola), mas eu queria muito me sentir aceita, porque achava que era com ela que eu tinha que estar. Não sei muito bem como foi a mudança, mas aos poucos fui me enturmando com as meninas do colégio novo e voltei a me sentir parte de um grupo.
Já no ensino médio, tinha um grupo de amigos de fora do colégio que foi crescendo e crescendo, até que chegou um ponto que eu vi que não era realmente amiga da maioria das pessoas (inclusive tendo algumas que ativamente não gostavam de mim). Tentei insistir, continuar indo nas coisas em prol dos que realmente eram meus amigos, mas sempre ficava um pouco frustrada no final. Um dia, sem muito alarde, saí do grupo do whatsapp sem olhar para trás. Aprendi que não tinha porque tentar me encaixar num lugar em que eu não cabia.
Lembrei de mais algo, voltando às questões anatômicas: dor de crescimento. A dor atrás do joelho que vinha na hora de dormir. Ia fazer alguma metáfora ou analogia sobre como mudar faz parte da vida mesmo que doa. Porém, pesquisei na wikipedia e me deparei com “As causas das dores de crescimento são desconhecidas. Elas não são associadas com surtos de crescimento”. Estou um pouco em choque porque, diferente da fake de se regenerar a cada 7 anos, na dor do crescimento eu acreditava.
A vida às vezes vai doer de qualquer jeito, que isso não nos impeça de mudar o que quisermos.
Indicações:
Meu amigo Arthur me mostrou a newsletter Dracula Daily, que manda os trechos do livro correspondentes a cada dia (às vezes tem bastante coisa, às vezes tem dias em que nada se passa na história). O livro só começa em maio, mas como não sei quando vem a próxima cartinha, achei melhor indicar já.
Seguindo no tema livros, esse ano institui o hábito de ler no transporte público. Embora com o kindle seja mais fácil, agora eu consigo até ler livros físicos em pé no ônibus. O último livro que li foi indicação do meu amigo Jannis e chama Never Let Me Go do britânico Kazuo Ishiguro. É uma história bem angustiante e que me fisgou muito. Ainda sigo obcecada também pelos livros do Édouard Louis.
Ir à feira. É uma experiência muito mais agradável que ir no mercado, sou fã. A duas estações de metrô da minha casa, tem uma que acontece aos domingos. Vou tentar terminar a cartinha logo para dar um pulo lá ainda.
A série The Politician porque é a minha favorita e não lembro se já recomendei aqui. É divertida, esteticamente linda e tem apenas duas temporadas (netflix).
O clássico álbum The Velvet Underground & Nico, porque, assim como eu, ele também fez aniversário nos últimos dias.
Telefonar para alguém e bater papo, como fazem os antigos.
Beijos e boa semana,
Se cuidem,
Laura
P.S. ainda sobre mudar/deixar pra trás, tem essa cartinha aqui de 2021:
chorei
❤️❤️