escreve logo o que queres, tudo há de ser papel
Bom dia, pessoal!
Antes de tudo, um aviso: migrei a newsletter e esse será o primeiro envio pelo site novo (intankável formatar texto no Tinyletter). Se algo der errado vocês por favor me avisem.
Enquanto escrevia a penúltima cartinha, eu e meu amigo João conversamos sobre eu não conseguir concluir meus textos e muitas vezes então optar por escrever sobre essa incapacidade de concluir o texto. Dessa vez resolvi inovar e falar disso no começo, vejam só.
Muitas e muitas vezes comecei crônicas da escola falando sobre minha incapacidade de achar um tema para falar sobre, apelando para a meta linguística como recurso de fuga. Percebi esse domingo, no show do Cícero, que essa técnica é usada em outras artes também: enquanto ele afinava a guitarra, sozinho no palco, entretia o público com um monólogo sobre falar com o público enquanto afinava a guitarra (faz com que demore o triplo de tempo porque tem que fazer as duas coisas ao mesmo tempo, mas ele acha mais elegante que ficar em silêncio afinando). Falar do que se faz para se adiar (ou estender) o que se faz.
Uma vez um cara que eu estava saindo comentou durante a conversa que achava que eu falasse mais sobre as coisas, do que eu tava sentindo ou estivesse me incomodando. Isso me pegou de surpresa, principalmente por ser verdade. Eu falo muito sobre tudo, puxo assunto com desconhecidos e crio conversas do vácuo. Mas eu não falo muito das coisas que importam mais pra mim, eu escrevo.
Na adolescência eu conseguia me colocar bem verbalmente, ser ponta firme e sair dos debates de sala com a cabeça fervendo (algumas dessas vezes, tendo defendido opiniões das quais hoje me envergonho). Não tinha medo de deixar as palavras escaparem. Mas, com o passar do tempo, isso foi mudando. Agora fujo das discordâncias verbais, não por achar que não valham a pena, mas por não conseguir lidar com elas do jeito que eu queria. Aquela hora clássica do banho em que você pensa "nossa, era isso que eu devia ter dito!!".
Eu queria mesmo me identificar quando o Ney Matogrosso canta “eu não sei dizer nada por dizer, então eu escuto”. Mas não é o caso. Fui vacinada com agulha de vitrola e falo muito (mais que muito, frequentemente falo demais). Pior que isso, falo alto e falo rápido. Não há um dia em que uma dessas coisas não sejam apontadas para serem corrigidas. Uma vez minha amiga Kaori perguntou se eu não me incomodava com isso. E me incomoda muito, mas várias das vezes a crítica é válida, então é bom tê-las assim mesmo. Eu não sou muito boa nisso de falar, embora seja capaz de tagarelar por horas e horas a fio. Minha amiga Pietra comentou que esse parágrafo lembrou ela de uma reflexão psicanalítica de que o excesso esconde a falta.
Quintana inicia o poema Emergência com “quem faz um poema abre uma janela” e finaliza com “quem faz um poema salva um afogado”. Acho que isso serve para a escrita no geral, e por isso que eu escrevo. Para organizar meus pensamentos, tirar as coisas da cabeça e do peito e passar pro papel, deixar arejar, rever depois (ou nunca mais). Escrevo muito para os outros também, textos de aniversário (sei que estão escassos, amigos, mas um dia virão), bilhetes de amor, pedidos de desculpa e cartas explicando minhas confusões internas.
Escrevo para me mostrar ("Escrevo para que meus amigos me amem ainda mais.", o García Márquez alegadamente falou) mas, preciso confessar, nas relações humanas, escrevo para me esconder. Tenho um tempo meu para escolher quais pensamentos serão expostos e quais retidos, se uso o termo mais brando ou o mais preciso. A mensagem só chega ao destinatário depois de completamente elaborada (muitas vezes tendo passado por revisoras criteriosas), sem interrupções ou caras de espanto. Não há conflito, apenas dois monólogos alternados.
Já na fala, seja por linhas telefônicas ou (principalmente) cara a cara, não há amortecimento algum. Você fala e a outra pessoa responde quase em simultâneo. A garganta fecha, a minha voz fica (ainda) mais fina e alta, as lágrimas as vezes escorrem. Não tem pra onde correr. Você fala e tem que ouvir o que falou, enquanto vê as pessoas ouvindo o que você falou também. Não tem ensaio, não tem a tecla de deletar, não tem como jogar o papel fora.
As vezes mando para minha analista coisas que eu escrevo (ou cartinhas ou textos do medium, nenhum material exclusivo) e mais de uma vez ela já comentou que eu escrevo sobre angústias que não falo sobre nas sessões. É difícil deixar as palavras correrem sem controle, sem vírgulas ou diagramação.
Essa cartinha não tem a intenção de provar um ponto ou terminar de forma motivacional, só compartilhar mais da minha relação com falar e escrever. O Belchior canta que palavras são navalhas. Eu diria que, para mim, as palavras (escritas!) são também escudo.
Indicações
Para uma risada rápida, esse vídeo/meme de Pokemon que meu amigo Lucas me mostrou.
Para quem quer também escutar uma risada gostosa, esse vídeo do Chico Buarque sobre seu desempenho pífio na faculdade de arquitetura.
Para os fãs de bolo, essa receita de bolo de limão que fiz domingo retrasado para um piquenique.
As cartinhas sempre são entituladas com trechos de música, a da vez foi essa da banda Epônima, que é composta por quatro amigos meus (mas eu juro que tô indicando porque é boa mesmo e não por serem meus amigos!!)
Para os fãs de MPB, o canal O Arranjo, que dá o contexto histórico dos artistas e depois esmiuça os detalhes da música (eu não entendo nada sobre mas vendo os vídeos eu consigo acompanhar). Dica do meu amigo Arthur.
Mais especificamente, para os fãs de Gilberto Gil, três indicações: 1) a série da família Gil, no Amazon Prime (são cinco ou seis episódios só), muito linda. 2) essa reportagem contando sobre quando ele foi preso em Floripa (sempre soube desse fato mas nunca tinha parado pra realmente ler sobre). 3) esse post contando quem são as mulheres mencionadas na música Sandra (acredito que seja a única música existente que contenha a palavra Chafé).
Novamente para os apreciadores da música BR, esse episódio de podcast sobre os malditos da música brasileira com participação do brabíssimo Kiko Dinucci, da banda Metá Metá. Ainda não ouvi os outros episódios desse podcast (chama-se Balanço e Fúria) mas achei os títulos interessantíssimos.
Para todo mundo, quinze minutos de caminhada em algum dia aleatório. Preferencialmente no sol. Sempre é bom.
Pra quem gosta de testes de personalidade e/ou conteúdos sobre estudo, esse teste fofíssimo (o site é lindo mesmo) feito pelo pessoal do Forest, que diz qual plantinha você é com base nos seus hábitos de estudo. Só funciona no celular.
Para quem é de Floripa, esse insta cheio de indicações de comida e mercados. O foco são as opções veganas, mas têm dica boa para todo mundo.
Se cuidem e boa semana,
Com carinho,
Laura
p.s. tem um sitezinho que o insta fez pra mandarem perguntas anônimas pras pessoas. vou compartilhar o link aqui pra quem quiser mandar opiniões, dicas de temas pra cartinhas, perguntas que gostariam de ver respondidas em algum momento, qualquer coisa. Podem abrir os coraçõezinhos! (e são sempre encorajados a responderem as cartinhas pra gente estender o papo, o linkzinho fica de recurso extra só)