diversão é solução sim
Bom dia, pessoal,
Provavelmente essa cartinha vai chegar depois do almoço, mas sigo fiel ao "bom dia". Quase nunca lembro do "boa tarde", tirando quando dou um bom dia atrasado e a pessoa meio passivo-agressivamente responde "boa tarde né". Outra coisa que eu faço falando sobre o tempo é me referir sempre aos dias da semana. Várias variações do diálogo "que dia você tem dentista?" "quinta" "hoje é quarta ... amanhã então?" "isso, amanhã". Eu acho que é porque não preciso pensar mais. Marquei o dentista e gravei (e com gravei eu digo que anotei na agenda) que era na quinta, então é quinta e pronto. Não preciso ficar adaptando para "depois de amanhã", "amanhã", tipo uma contagem regressiva. Mantenho o "É quinta", distante e intangível, até que, sem dar aviso prévio, tchum, vira um "É hoje" (Ludmilla corre aqui).
Continuando o assunto, essa cartinha vai ser sobre tempo mesmo, e a nossa dificuldade de delimitá-lo, principalmente agora. Eu escrevi sobre isso para a aula de espanhol semestre passado, em uma atividade sobre como estávamos nos adaptando nessa vida de estudo/trabalho remoto. Mas a questão é que escrever em espanhol é muito difícil, o cérebro não se dá conta que é um idioma diferente e fica querendo meter um portunhol em todas as lacunas e sai um resultado que nem o google docs consegue identificar o idioma. Então vou aproveitar agora para reorganizar aqui as ideias do textinho antigo.
Se um dia a gente teve uma linha bem definida entre "tempo de lazer" e "tempo de trabalho" já não me recordo. Mas agora a situação é um caos e sei que vocês já sabem disso. É demanda chegando por whatsapp às nove da noite do sábado. É a sensação de culpa por "não ter feito nada" num domingo à tarde. Também é aquela olhadinha no twitter a cada duas linhas lidas do texto da aula. Também não tem uma diferenciação física. A mesa que a gente usa o notebook pra ver vídeo-aula maçante é a mesma que a gente usa pra fazer chamada com os amigos e muitas vezes também a mesma mesa que a gente come. Não tem nenhuma barreira espaço-temporal.
Ontem falei com meu amigo João (conversamos enquanto ele me ajudava com questões de álgebra, ilustrando bem o parágrafo acima) sobre várias coisas distintas para fazer e, por fazer um pouquinho de cada alternadamente, não ter nunca aquela sensação de "opa, acabei de fazer o que era pra fazer". Vou dividindo a atenção entre várias coisinhas, me canso e quando passa o dia sinto que não fiz nada do que precisava ser feito. Na Odisseia, Penélope, a esposa do Ulisses, diz que só vai casar de novo quando terminar de tecer uma mortalha. Então ela passava o dia tecendo e a noite desfazia tudo (estratégia posteriormente utilizada pela personagem Celina da novela "Chocolate com Pimenta", eu sei porque fui uma criança noveleira). Eu sinto que, em vez de desfazer o tecido, cada dia começo um novo e vou acumulando teares por aí, sem ter um tapetinho bonito pra dizer "opa, tá pronto".
Por não ter essa conclusão, também não me permito descansar. Não que eu fique focada o tempo todo, muito pelo contrário. Abro as redes sociais com uma frequência que chega a me assustar, gasto um tempão lá, as vezes vendo vídeos de bichinhos fofos, as vezes vendo atualizações das pessoas que eu gosto, mas a maioria das vezes só vou olhando por olhar mesmo. É muito tempo mesmo. Muitas vezes já aconteceu de um dos meus pais me chamar para ver filme junto e eu responder com "putz, eu até queria, mas tenho que terminar x coisa". A pessoa acabava de ver o filme, às vezes até emendava mais um, e eu tinha trabalhado, sei lá, vinte minutos só na coisa que eu falei que precisava fazer. No final, acabei nem "rendendo" nem me divertindo. É um limbo total.
Vou copiar a conclusão do meu texto da aula aqui, acho que vai dar um brilho a mais ter umas linhas em outro idioma no meio dessa cartiña. "Entonces, lo que hice: decidí que, el viernes, después de terminar mi prueba, iría a jugar con mis amigos, independiente de las cosas pendientes. Fue una decisión muy correcta: el sábado y el domingo yo tenía mucho más ganas de hacer mis obligaciones porque estaba recargada, y, principalmente, tuve hueras de diversión, algo que es raridad en esos tiempos tan duros.".
Fui procurar citação pra colocar aqui e li um negócio do Heródoto (estamos muy sofisticados essa semana né) que vou colar aqui também: "Os arqueiros curvam seus arcos quando querem atirar e os afrouxam quando o alvo é atingido. Se os arcos fossem mantidos sempre retesados, quebrariam e falhariam quando o arqueiro precisasse dele. Assim é com os homens. Se constantemente se dedicarem a um trabalho sério e jamais relaxarem um pouco com um passatempo ou um esporte, perdem o bom senso e enlouquecem".
Lembrem de parar e se divertir um pouco. Não é só meu conselho, é do Pai da História™️ também. Não precisa agendar algo rígido tipo "quinta às 15h30 vou ler vinte páginas do livro x", e provavelmente você não vai ter tempo para, sei lá, assistir um filme. Mas dá de marcar uma chamadinha com a amiga, ou ver um episódio daquela seriezinha que sempre te anima (no meu caso, é Community). Não tem como separar tempo de lazer e tempo de trabalho se não tem de fato um lazer.
Indicações da semana:
O álbum SOUR da Olívia Rodrigo. Se você é um jovem twitteiro, deve estar escutando no repeat desde quinta. Se não, vai uma breve explicação porque eu fiquei curiosa e fui pesquisar quem era ela há poucas semanas: ela tem dezoito anos, fazia umas coisas da Disney e vai dominar o mundo. Perfeito para se sentir meio adolescente de novo.
Dois dias seguidos eu passei meu celular pra escolherem a música dentre as que eu tinha baixadas (eu gosto muito de escolher música a partir da biblioteca de outra pessoa porque você pode escolher o que quiser sem se preocupar com "hmmm será que vai gostar também?"). Nas duas vezes a escolha foi o álbum Beleléu e Banda Isca de Polícia do Itamar Assunção. Gosto muito dele e fui conhecer depois de mais velha só, indico demais. Acho muito bom pra ouvir correndo.
Já falei sobre aqui, mas tem um canal de livros que eu amo e sempre organiza leituras coletivas (tem um cronograma de leitura e uma vez por semana a Taty, organizadora, faz uma live falando dos capítulos lidos e o pessoal comenta no chat). A próxima vai ser de O Auto da Compadecida e começa quarta 20h30, mas o primeiro encontro é só para falar sobre o autor, não precisa ter começado a ler.
Meu amigo Ivan me indicou a série Special, na Netflix. Confesso que não faço ideia de sobre o que se trata, mas ele disse duas frases sobre que me conquistaram “os eps tem tipo 15 minutos” e “a primeira temporada inteira dura tipo 2 horas”. Vou ver essa semana e, conforme for, indico com mais argumentos na próxima cartinha também.
A playlist da semana é essa aqui que eu fiz só com artistas brasileiros bissexuais. Minha amiga Mariah já trincou a tela do celular por causa dela, então apreciem com cuidado.
Se cuidem e se divirtam,
Com um pouco de atraso e muito carinho,
Laura
p.s. não tem uma cartinha que a formatação não acabe meio zoada, se alguém manjar de tinyletter e quiser me ensinar a fazer melhor por favor dá um alô